Os Impactos Econômicos das Enchentes no Rio Grande do Sul
O Rio Grande do Sul foi atingido pela maior enchente registrada na história. Em Porto Alegre, o nível do Rio Guaíba subiu quase 5,3 metros acima do seu nível normal e mais de 50 cm acima do nível registrado na cheia de 1941. As chuvas em volumes excessivos, que começaram a atingir o estado no final de abril e prosseguem em maio, provocaram enchentes, deslizamentos de encostas e destruição em diversas regiões, causando danos materiais, perdas humanas e impactos econômicos severos. Sendo assim, além da dimensão humana, a enchente de 2024 terá consequências econômicas com implicações nacionais. Este artigo analisará a situação das enchentes no Rio Grande do Sul e como esses eventos adversos afetam a economia brasileira.
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As Enchentes
As enchentes no Rio Grande do Sul são resultado da combinação de fatores naturais e antropogênicos. O estado possui uma topografia diversificada, com muitos rios e áreas de várzea (regiões a margem de um curso de água), tornando-o suscetível a inundações durante períodos de chuvas intensas. Além disso, o desmatamento, a urbanização desordenada e a falta de infraestrutura adequada de drenagem aumentam a gravidade e a frequência desses eventos.
Cidades como Porto Alegre, a capital do estado, e outras localidades próximas aos rios Guaíba e Sinos são particularmente vulneráveis. A falta de planejamento urbano e a ocupação irregular das margens dos rios aumentam os riscos de inundações, colocando em perigo a vida e o patrimônio dos residentes.
O estado de calamidade pública foi decretado no Rio Grande do Sul no dia 1º de maio, afetando 336 municípios, o que corresponde a 67,6% dos 497 municípios do Estado. Vale ressaltar que muitas das áreas mais afetadas pelas enchentes são regiões de densidade populacional mais elevada, evidenciando ainda mais a escala do desastre.
Os Impactos Econômicos
As perdas econômicas são inestimáveis no momento. Uma infinidade de empresas teve suas dependências completamente comprometidas. Além dos danos gigantescos de capital, os problemas logísticos devem afetar de forma significativa todas as cadeias econômicas do Estado.
Segundo estimativas do Bradesco, o PIB do Rio Grande do Sul tenha sido de aproximadamente R$ 600 bilhões (US$ 116 bilhões) em 2022, o que significa que a economia do estado é maior do que a de países vizinhos como o Uruguai (US$ 80 bilhões) ou o Paraguai (US$ 46 bilhões). O Rio Grande do Sul corresponde a 6,5% do PIB brasileiro (participação em 2021 – último dado do IBGE), mas os setores agrícola e industrial são proporcionalmente maiores no estado: o Rio Grande do Sul corresponde a aproximadamente 12,6% do PIB Agrícola e 8,3% do PIB da indústria de transformação.
Segundo o Bradesco, o principal impacto na atividade se dará em maio. Em junho, acredita-se que grande parte das atividades estará normalizada, a depender dos danos físicos e do ritmo de reconstrução. Nesse sentido, a construção civil, a indústria e o comércio podem ter impacto positivo nos meses subsequentes, em razão do esforço de reconstrução e da retomada da demanda deprimida. Há notícias de que o governo planeja criar linhas de crédito subsidiado para que as famílias atingidas possam repor com mais facilidade os bens perdidos na enchente. Programas deste tipo também podem potencializar a recuperação.
O Agronegócio
A agropecuária será uma das atividades mais impactadas pelo evento. O setor responde por 15% do PIB estadual, o que representa 12,6% do PIB agropecuário brasileiro. Arroz, soja, trigo e carnes são os principais produtos produzidos. Considerando tais impactos, o PIB Agropecuário no Brasil pode recuar 3,5%. Por fim, as perdas no agronegócio podem ser ampliadas pela logística, que afeta tanto o escoamento da safra bem como impede a chegada de insumos. Esse parece ser um problema importante para os setores de laticínios e carnes, por exemplo.
Além do tamanho do PIB do estado, outro ponto importante é a produção agrícola. A produção de canola, aveia e arroz, representam da produção nacional, respectivamente, 99%, 73% e 71%.
A Indústria
Além do setor do Agronegócio, o setor industrial do estado pode sofrer com as enchentes. O peso da indústria de transformação chega a 18% do PIB estadual, superando 8% da indústria brasileira. Em particular, calçados, móveis, produtos de metal e máquinas e equipamentos têm importância em nível nacional. Adicionalmente, os riscos de uma interrupção prolongada estão associados aos danos físicos, que no atual momento são de difícil mensuração.
Infraestrutura
Em 8 de maio, segundo informações divulgadas pelo governo estadual, mais de 400 mil pontos ainda estavam sem energia elétrica, o que representa cerca de 8% do total, enquanto mais de 500 mil clientes estavam sem abastecimento de água, equivalente a 19% do total. A situação afetou quase mil escolas, impactando mais de 300 mil estudantes em 233 municípios que tiveram suas atividades suspensas. Além disso, ainda há 85 trechos em 38 rodovias com bloqueios totais ou parciais. O aeroporto de Porto Alegre permanece com todas as operações suspensas, conforme comunicado da concessionária, e a previsão é de que permaneça assim até pelo menos o dia 30 de maio.
Embora haja relatos iniciais sobre o restabelecimento do abastecimento em algumas áreas afetadas, a situação geral permanece crítica, especialmente considerando a previsão de novas chuvas, o que indica que a normalidade pode levar algum tempo para ser restabelecida. As paralisações e os obstáculos logísticos podem impactar a indústria local no curto prazo, enquanto preocupações persistentes dizem respeito aos danos estruturais, que terão um impacto de longo prazo mais significativo.
Impactos Inflacionários
Os efeitos na inflação podem ser analisados sob duas perspectivas distintas. Primeiramente, o desabastecimento de produtos na região afetada pela enchente tende a gerar um choque de preços localizado. No entanto, ainda não é possível determinar como os indicadores de inflação do IBGE serão impactados pela coleta de dados. Vale ressaltar que a capital gaúcha possui peso significativo, correspondendo a 8,6% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Refletindo sobre episódios passados, como o desabastecimento ocasionado pela greve dos caminhoneiros em 2018, observou-se uma elevação expressiva, porém temporária, nos preços de alimentos e combustíveis. Itens como gasolina, hortifrúti e leite foram particularmente afetados. Em um cenário semelhante em Porto Alegre, o impacto na inflação local poderia atingir aproximadamente 0,7 ponto percentual, refletindo-se em cerca de 0,06 ponto percentual no IPCA nacional, possivelmente revertido nos meses seguintes. No entanto, é importante considerar que a natureza do choque ocasionado pela enchente é distinta, pois afeta tanto a oferta quanto a demanda, o que pode limitar a pressão sobre os preços.
Os impactos indiretos sobre os preços de alimentos em outras regiões do país podem ser mais significativos. Especificamente, há uma preocupação relevante em relação ao arroz, dada a representatividade do Rio Grande do Sul na produção nacional e a importância desse produto na cesta básica brasileira. Um exemplo comparativo pode ser observado no ciclone subtropical que atingiu o estado em maio de 2008, quando os preços do cereal subiram aproximadamente 40% no atacado e 20% no IPCA em um único mês. Essa valorização também foi influenciada pelos preços internacionais, em um contexto de menor produção e restrições à exportação impostas por diversos países.
Além do arroz, há também preocupações em relação aos preços da soja. Com a queda na produção do grão no Brasil este ano e possíveis perdas no Rio Grande do Sul, poderia haver uma redução na oferta no mercado interno, resultando em pressão sobre os preços no segundo semestre. Dessa forma, inicialmente, é plausível considerar um potencial impacto de aproximadamente 0,2 ponto percentual na inflação deste ano, estimativa que contempla um aumento de 5% na cotação da soja e um choque de cerca de 20% no preço do arroz no atacado.
Como medida para prevenir o desabastecimento e controlar o aumento dos preços em produtos essenciais, o Governo Federal tomou uma iniciativa importante. Autorizou a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) a importar até 1 milhão de toneladas de arroz de países vizinhos, com o intuito de repor o estoque público e estabilizar os preços desse alimento. Os estoques importados serão disponibilizados para pequenos varejistas metropolitanos, sem a necessidade de passarem por leilões.
Entretanto, até o momento, não foram anunciadas outras medidas para importar outros tipos de alimentos ou produtos industriais com o mesmo propósito de evitar o desabastecimento. A falta de ações adicionais pode levantar preocupações sobre a possibilidade de escassez em outros itens essenciais no mercado nacional.
Conclusão
Diante da maior enchente já registrada na história do Rio Grande do Sul, a região enfrenta não apenas uma crise humanitária, mas também uma crise econômica de proporções significativas. A devastação causada pelas inundações não apenas interrompeu as atividades econômicas, mas também expôs vulnerabilidades estruturais que exigirão esforços de reconstrução e recuperação de longo prazo.
O impacto econômico das enchentes é multifacetado, afetando setores como agronegócio, indústria e infraestrutura. A perda de culturas agrícolas e a interrupção das cadeias de suprimentos industriais são apenas alguns dos desafios que a região enfrentará nos próximos meses e anos.
No entanto, em meio aos desafios, há esforços para mitigar os impactos negativos. A autorização para importação de arroz pela Conab é um exemplo de medida emergencial adotada pelo Governo Federal para evitar o desabastecimento e estabilizar os preços de alimentos essenciais. No entanto, é fundamental que outras medidas sejam consideradas para garantir a disponibilidade de uma variedade de produtos no mercado e proteger os consumidores de aumentos abruptos de preços.
A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul serve como um lembrete contundente da importância da preparação para desastres naturais e da necessidade de medidas proativas para mitigar seus impactos. Somente através de um esforço conjunto e coordenado, podemos trabalhar para reconstruir o que foi perdido e fortalecer a resiliência das comunidades afetadas.
Fontes Utilizadas
bradesco-estudo-impacto-economia-rs-10mai2024.pdf (poder360.com.br) (Acesso em 16/05/2024)
estudo-fiergs-enchentes-rio-grande-do-sul.pdf (poder360.com.br) (Acesso em 16/05/2024)
Chuva no RS desacelera a economia e pressiona inflação de alimentos (poder360.com.br) (Acesso em 16/05/2024)
Governo autoriza importação de até 1 milhão de toneladas de arroz para suprir quebra no RS (gazetadopovo.com.br) (Acesso em 16/05/2024)
Vaquinha para ajudar vítimas da chuva no RS arrecada R$ 3 milhões (uol.com.br) (Acesso em 16/05/2024)